Fazer e Compreender
Para atender os princípios da aprendizagem do futebol tecnicamente bem jogado e, além disso, aprender mais que futebol, é necessário assumir procedimentos que levem o aluno a compreender as próprias ações. Isso não ocorre apenas pela boa vontade dos professores ou por obra do acaso. São necessárias técnicas pedagógicas para produzir compreensão sobre as ações práticas.
Uma ação prática pode ser compreendida quando a atenção do praticante se concentre sobre a ação realizada, de modo que ele a presencie como testemunha mental, isto é, quando a ação pode ser representada internamente pelo sujeito. Assim, aquilo que foi experienciado na atividade prática pode ser revivido mentalmente pelo aluno. Ao vive-lo internamente, o aluno pode reconsidera-la sob inúmeros aspectos, tomando consciência e vindo a compreendê-la.
Para chamar atenção do aluno sobre sua própria prática, é preciso produzir um fenômeno que chame a atenção. No caso da metodologia adotada em nosso trabalho, esse fenômeno é o atrito, ou conflito, quando se relacionam coisas diferentes, uma se atritando com a outra. Nesse processo, o atrito produz contradições entre as partes que se relacionam, porque uma, sendo diferente, e num certo sentido, oposta à outra, chama a atenção sobre ela.
Na prática, isso ocorre colocando em oposição uma atividade conhecida com outra desconhecida. Para viabilizar esse processo, após verificar que o aluno consegue realizar com êxito uma atividade qualquer, sugerimos uma variação dessa atividade, de modo que a variação, sendo parecida com a atividade original, contenha alguma novidade. Para manter o que deu certo e corrigir o que não deu certo, o aluno precisa recorrer à reflexão, revendo a atividade feita e corrigindo-a ou mantendo-a mentalmente; ou seja, o aluno vê a ação que fez anteriormente, agora no plano da reflexão. Só na reflexão ele pode compreendê-la.
Outra forma de compreender a ação é falando sobre ela. Para falar da ação o aluno precisa vê-la mentalmente. Falar sobre a ação é descrever a ação anteriormente realizada, que agora esta sendo vista no plano da representação mental. Em nossas aulas os alunos são estimulados a verbalizar suas ações nas rodas de conversas de início e final das aulas e também quando o professor interrompe o jogo para explicar alguma coisa aos alunos, ou quando pede que os alunos conversem entre si para corrigir eventuais falhas.
É provável que os seres humanos tenham chegado onde chegaram, depois de milhões de anos, porque aprenderam a pensar e a falar. Foi por que aprenderam a produzir símbolos que os hominídeos se tornaram humanos. Toda educação deve ser baseada, portanto, no exercício da capacidade de simbolizar e de tomar consciência das próprias ações. E, para tanto, o jogo é o ambiente mais privilegiado. O jogo é fundamentalmente o exercício da fantasia, da imaginação, dos sonhos, isto é, do simbolo.
Trecho do livro de João batista Freire - Pedagogia do Futebol 2ª Edição - 2006 (Paginas 93-94)